Texto
4 – MAINARDES, Jefferson. Abordagem
do ciclo de políticas: uma contribuição para a análise de políticas
educacionais, Educ. Soc., Campinas, vol. 27, n. 94, p. 47-69,
jan./abr. 2006 47.
Disponível em:
http://www.cedes.unicamp.br ou
http://www.scielo.br/pdf/es/v27n94/a03v27n94.pdf
RESUMO:
O ciclo de políticas – idéias centrais
A abordagem do “ciclo de políticas”, que adota uma orientação
pós-moderna, baseia-se nos trabalhos de Stephen Ball e Richard Bowe,
pesquisadores ingleses da área de políticas educacionais. Essa abordagem
destaca a natureza complexa e controversa da política educacional.
A princípio, Ball & Bowe (1992) tentaram caracterizar o processo
político, introduzindo a noção de um ciclo contínuo constituído por três
facetas ou arenas políticas: a política proposta, a política de fato e a
política em uso.A primeira faceta, a “política proposta”, referia-se à
política oficial, relacionada com as intenções não somente do governo e
de seus assessores, departamentos educacionais e burocratas encarregados de
“implementar” políticas, mas também intenções das escolas, autoridades locais e
outras arenas onde as políticas emergem. A “políticade fato” constituía-se
pelos textos políticos e textos legislativos que dão forma à política proposta
e são as bases iniciais para que as políticas sejam colocadas em prática. Por
último, a “política em uso” referia-se aos discursos e às práticas
institucionais que emergem do processo de implementação das políticas pelos
profissionais que atuam no nível da prática.
Porém, Stephen Ball e Richard Bowe romperam com essa formulação inicial
porque a linguagem utilizada apresentava uma certa rigidez que eles não
desejavam empregar para delinear o ciclo de políticas.
Aquelas três facetas ou arenas se apresentavam como conceitos
restritos, opondo-se ao modo pelo qual eles queriam representar o processo
político. No livro Reforming education and changing schools, publicado em 1992,
Bowe & Ball apresentaram uma versão mais refinada do ciclo de políticas.
Nesse livro, eles rejeitam os modelos de política educacional que separam as
fases de formulação e implementação porque eles ignoram as disputas e os
embates sobre a política e reforçam a racionalidade do processo de gestão.
Os autores propuseram um ciclo contínuo constituído por três contextos
principais: o contexto de influência, o contexto da produção de texto e o
contexto da prática. Esses contextos estão inter-relacionados, não têm uma
dimensão temporal ou seqüencial e não são etapas lineares. Cada um desses
contextos apresenta arenas, lugares e grupos de interesse e cada um deles
envolve disputas e embates.
O primeiro contexto é o contexto de influência onde normalmente as
políticas públicas são iniciadas e os discursos políticos são construídos. É
nesse contexto que grupos de interesse disputam para influenciar a definição
das finalidades sociais da educação e do que significa ser
educado. Atuam nesse contexto as redes sociais dentro e em torno de
partidos políticos, do governo e do processo legislativo. É também nesse
contexto que os conceitos adquirem legitimidade e formam um discurso de base
para a política.
O contexto de influência tem uma relação simbiótica, porém não evidente
ou simples, com o segundo contexto, o contexto da produção de texto. Ao passo
que o contexto de influência está freqüentemente relacionado com interesses
mais estreitos e ideologias dogmáticas, os textos políticos normalmente estão
articulados com a linguagem do interesse público mais geral. Os textos
políticos, portanto, representam a política. Essas representações podem tomar
várias formas: textos legais oficiais e textos políticos, comentários formais
ou informais sobre os textos oficiais, pronunciamentos oficiais, vídeos etc.
Tais textos não são, necessariamente, internamente coerentes e claros, e podem
também ser contraditórios. Eles podem usar os termos-chave de modo diverso. A
política não é feita e finalizada no momento legislativo e os textos precisam
ser lidos com relação ao tempo e ao local específico de sua produção. Os textos
políticos são o resultado de disputas e acordos, pois os grupos que atuam
dentro dos diferentes lugares da produção de textos competem para controlar as
representações da política (Bowe et al.,1992). Assim, políticas são
intervenções textuais, mas elas também carregam limitações materiais e
possibilidades. As respostas a esses textos têm conseqüências reais. Essas
conseqüências são vivenciadas dentro do terceiro contexto, o contexto da
prática.
Num artigo subseqüente, Ball (1993a) explicitou mais claramente a
distinção entre “política como texto” e “política como discurso”. A
conceituação de política como texto baseia-se na teoria literária que entende
as políticas como representações que são codificadas de maneiras complexas. Sobre a política como discurso, Ball (1993a) explica que os
discursos incorporam significados e utilizam de proposições e palavras, onde
certas possibilidades de pensamento são construídas. A política como discurso
estabelece limites sobre o que é permitido pensar e tem o efeito de distribuir
“vozes”, uma vez que somente algumas vozes serão ouvidas como legítimas e
investidas de autoridade. Desse modo, com base em Foucault, Ball explica que as
políticas podem tornar-se “regimes de verdade”. Política como texto e política
como discurso são conceituações complementares. Ao passo que a política como
discurso enfatiza os limites impostos pelo próprio discurso, a política como
texto enfatiza o controle que está nas mãos dos leitores.
O último contexto do ciclo de políticas é o contexto de estratégia
política. Esse contexto envolve a identificação de um conjunto de atividades
sociais e políticas que seriam necessárias para lidar com as desigualdades
criadas ou reproduzidas pela política investigada.
No ciclo de políticas a simplicidade e a linearidade de outros modelos
de análise de políticas são substituídas pela complexidade do ciclo de
políticas. A abordagem do ciclo de políticas traz várias contribuições para a
análise de políticas, uma vez que o processo político é entendido como
multifacetado e dialético, necessitando articular as perspectivas macro e
micro.
Na extensa literatura de política educacional publicada em língua
inglesa, as tensões entre referenciais analíticos que enfatizam o controle do
Estado e aqueles que enfatizam a interpenetração entre macro e microcontextos e
influências têm sido bastante debatidas.
Roger Dale (Dale, 1989 e 1992) é considerado um dos mais importantes
defensores da abordagem estadocêntrica no processo de formulação e análise de
políticas educacionais.
Essa abordagem enfatiza o papel das macroinfluências sobre os
profissionais que atuam no nível micro. Entretanto, ele enfatiza que o Estado
não é monolítico nem sinônimo de governo. Ozga (1990) apóia a abordagem de Dale
e tem salientado que os modelos estadocêntricos são suficientemente capazes
para acomodar a complexidade e a diferença e que é apenas de forma caricaturada
que o modelo estadocêntrico parece ser muito determinista.
Para Dale(1992), focalizar o Estado não é apenas necessário, mas
constitui o “mais importante componente de qualquer compreensão adequada da
política educacional.
Críticas à abordagem do ciclo de políticas
O referencial teórico-analítico do ciclo de políticas formulado por Ball
e Bowe gerou vários debates entre autores ingleses, americanos e australianos
ligados ao campo da análise de políticas educacionais.
Lingard (1993) argumenta que o ciclo de políticas precisa de uma teoria
de Estado mais sofisticada. A partir de uma perspectiva marxista,Hatcher &
Troyna (1994) consideram que a abordagem do ciclo de políticas não tem uma
teoria de Estado clara, o que seria crucial para uma adequada compreensão da
política educacional e de suas relações com os interesses econômicos. Na
realidade, Ball (1990) tentou oferecer uma resolução para a lacuna teórica
entre uma perspectiva neomarxista (centrada no Estado) com suas “generalidades ordenadas”
(ênfase em questões mais amplas) e uma perspectiva pluralista com suas
“realidades desordenadas de influência, pressão, dogmas, conflitos, acordos,
intransigência, resistência, erros, oposição e pragmatismo”. Isso levou Lingard
(1993) e Hatcher & Troyna (1994) a argumentarem que Ball é inconsistente em
sua abordagem.
A influência de Foucault e a falta de uma perspectiva feminista foram
também apontadas por Henry (1993), Hatcher & Troyna (1994) e Lingard
(1996). Henry (1993) afirma que falta na abordagem do ciclo de políticas de
Ball o engajamento com as perspectivas neomarxistas e feministas. Em sua
resposta, Ball (1993b) concordou com as críticas de Henry, mas reiterou o
contraste entre o “desordenamento” que caracteriza a realidade das políticas e
a abordagem macroanalítica, preocupada com a análise de questões mais amplas.
Hatcher & Troyna (1994) dizem que a abordagem proposta por Ball não
resolveu a lacuna entre o pluralismo e o marxismo, porque a instância criada
por ele favorece o pluralismo. Ball (1994b) considera que o argumento de
Hatcher & Troyna é estruturalmente determinado e estático.
Lingard (1996) ressalta que o ciclo de políticas de Ball contribuiu
teórica e empiricamente para a análise de políticas, mas afirma que ele não
considerou a questão dos efeitos das políticas sobre gênero e raça. Lingard
concluiu que uma análise pós-moderna sozinha não é suficiente para definir uma
política estratégica para combater as injustiças sociais reveladas pela
pesquisa de Ball. A idéia de que há efeitos de primeira e de segunda ordem
evidencia a preocupação de Ball com as questões de justiça social, padrões de
acesso e oportunidades sociais.
Com base em algumas dessas críticas, Vidovich (2002) sugeriu certas
modificações no referencial teórico-analítico inicial. A autora sugere que: (a)
há necessidade de se estender o terreno do contexto de influência de uma nação
individual para o contexto global, algo que também foi considerado por Ball em
textos subseqüentes; (b) a influência do Estado precisa ser incorporada de
forma mais ampla do que está evidente na abordagem delineada por Ball; e (c) é
necessário destacar, explicitamente, as inter-relações entre os diferentes
níveis e contextos do processo político (macro, intermediário e micro) ao
examinar como esses contextos estão continuamente inter-relacionados.
Apesar de tais críticas, pode-se afirmar que a abordagem do ciclo de
políticas oferece instrumentos para uma análise crítica da trajetória de
políticas e programas educacionais.
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