Texto
5 - PARO, Victor Henrique A Gestão da
Educação ante as exigências de qualidade e produtividade da escola pública,
Trabalho apresentado no V Seminário Internacional Sobre Reestruturação
Curricular, realizado de 6 a
11/7/1998, em Porto
Alegre , Publicado em: SILVA, Luiz Heron da; org. A escola
cidadã no contexto da globalização. Petrópolis, Vozes, 1998. p. 300-307.
RESUMO:
Qualidade e produtividade
Muito se tem falado, nos últimos anos, sobre qualidade do ensino e
produtividade da escola pública. O discurso oficial, sustentado inclusive por
argumentos de intelectuais.
Assegura que já atingimos a quantidade, restando, agora, apenas buscar a qualidade, como se fosse possível a primeira sem a ocorrência da segunda. Quando se referem à quantidade, ressaltam que não há carência de escolas, visto já estar sendo atendida quase toda a população em idade escolar.
É preciso perguntar se escola não seria mais do que um local para onde afluem crianças e jovens carentes de saber, que são acomodados em edifícios com condições precárias de funcionamento (com falta de material de
toda ordem, com salas numerosas, que agridem um mínimo de bom senso pedagógico) e são atendidos por funcionários e professores com salários cada vez mais aviltados (que mal lhes permitem
sobreviver, quanto mais
exercer com competência suas funções).
É preciso perguntarmos a respeito do que entendemos
por educação de qualidade. A educação, entendida como a apropriação do saber historicamente produzido é prática
social que consiste na própria atualização cultural e histórica do homem. Para que a humanidade não tenha
que reinventar tudo a cada nova geração, fato que a condenaria a permanecer na mais primitiva situação, é preciso
que o saber esteja sendo permanentemente passado para as gerações subseqüentes. Essa mediação é
realizada pela educação, do que decorre sua centralidade enquanto condição imprescindível da própria realização histórica do homem.
Esta concepção de educação é
integrante de uma visão do homem histórico, criador de sua própria "humanidade"
pelo trabalho. Mas o trabalho, em seu papel mediador, embora categoria central, não é fim em
si mas o meio pelo qual o homem transcende a mera necessidade natural. O homem não almeja apenas estar no
mundo; o homem almeja estar bem.
O ser humano coloca-se sempre novos objetivos que transcendem a necessidade natural, os quais ele
busca realizar por meio do trabalho. O trabalho não é, pois, o fim do homem, mas sua mediação para o viver bem.
Isso tudo tem implicações mais do que importantes para uma educação escolar que tenha por finalidade a formação humana. Em primeiro lugar, é preciso ter presente que não basta formar para o trabalho, ou para a sobrevivência, como parece entender os que vêem na
escola apenas um instrumento para preparar para o mercado de trabalho ou para entrar na universidade (que também tem como horizonte o mercado de trabalho). Se a escola deve preparar para alguma coisa, deve ser
para a própria vida, mas esta entendida como o viver bem, no desfrute de todos os
bens criados socialmente pela humanidade.
Um segundo aspecto não basta a escola "preparar para" o bem
viver, é preciso que, ao fazer isso,
ela estimule e propicie esse bem viver, ou
seja, é preciso que a escola seja
prazerosa para seus alunos desde já. A primeira condição para propiciar isso é que a educação se apresente enquanto relação humana dialógica, que garanta a condição de sujeito tanto do educador quanto do educando.
A escola é uma das únicas instituições para cujo produto não existem padrões definidos de qualidade.Os efeitos da educação sobre o indivíduo se estendem, às vezes, por toda sua vida,
acarretando a extensão de sua avaliação por todo esse período. É por isso que, na escola, a garantia de um bom
produto só se pode dar garantindo-se o
bom processo. Isto relativiza enormemente as aferições de produtividade da
escola baseadas apenas nos índices de
aprovação e reprovação ou nas tais avaliações externas que se apoiam
exclusivamente no desempenho dos alunos em testes e provas realizados
pontualmente.
A produtividade da escola mede-se, portanto, pela realização de seu produto, ou seja, pela proporção de seus alunos que ela consegue levar a se apropriar do saber produzido historicamente.
Isto supõe dizer que a boa escola envolve ensino e aprendizagem ou, melhor ainda, supõe considerar que só há ensino quando há aprendizagem.
Além disso, há que se atentar para a peculiaridade do processo
pedagógico: o objeto de trabalho é também sujeito, posto tratar-se do ser humano que, como tal, é preciso querer aprender para que o processo se
realize com êxito. Levar o aluno a querer aprender é a tarefa primeira da escola
da qual dependem todas as demais.
Gestão Democrática da Escola
Assumida uma concepção peculiar de qualidade e de produtividade .da escola, é importante considerar as implicações de ordem administrativa daí decorrentes. Em nosso dia-a-dia, administração (ou gestão, que será aqui tomada como sinônimo) costuma ser associada com chefia ou controle das ações de outros.
Todavia, se sairmos das concepções cotidianas e nos aprofundarmos na análise do real, perceberemos que o que a administração tem de "essencial" é o fato de ser mediação na busca de objetivos.
Esta
concepção
da administração
enquanto mediação
traz, inicialmente, duas conseqüências importantes. Em primeiro lugar, ela nos
possibilita identificar como não-administrativas todas aquelas medidas ou atividades
que, perdendo de vista o fim a que deveriam servir, erigem-se em fins em si
mesmas, degradando-se naquilo que Sánchez Vázquez (1977) chamaria de práticas burocratizadas. De passagem, pode-se
ressaltar que o que há de odioso, comumente, nas atividades assim
chamadas de burocráticas não é a
papelada que costuma acompanhá-las,
mas sim o fato de que são práticas inúteis aos fins, pois que se tornam fins em si. Em política educacional, essa burocratização dos meios tem prestado, muitas vezes intencionalmente, para se evitar que se
alcancemos fins declarados.
Uma segunda decorrência do caráter de mediação da gestão ou administração é que, não sendo fim
em si, ela pode articular-se com uma variedade infinita de objetivos, não precisando estar necessariamente articulada com a
dominação que vige em nossa sociedade. Mas isto não deve servir a qualquer pretexto de imputar-lhe
uma neutralidade que não existe.
Se está envolvida a educação, é
importante, antes de mais nada, levar em conta os objetivos que se pretende com ela. Então, na escola básica, esse caráter mediador da administração deve dar-se de forma a que
tanto as atividades-meio (direção, serviços de secretaria, assistência ao escolar e atividades
complementares, como zeladoria, vigilância, atendimento de alunos e
pais), quanto a própria atividade-fim,
representada pela relação ensino-aprendizagem que se dá predominantemente (mas não só) em sala
de aula, estejam permanentemente
impregnadas dos fins da educação. Se
isto não se dá, burocratiza-se
por inteiro a atividade escolar, fenômeno que consiste na elevação dos meios à categoria de fins e na
completa perda dos objetivos visados com a educação escolar.
Se se pretende, com a educação escolar, concorrer para a emancipação do indivíduo enquanto cidadão partícipe de uma sociedade democrática e, ao mesmo tempo, dar-lhe meios, não apenas para sobreviver, mas para viver bem e
melhor no usufruto de bens culturais que hoje são privilégio de poucos, então a gestão escolar deve fazer-se de modo a estar em plena
coerência com esses objetivos.
Por isso, é preciso refutar, de modo veemente, a tendência atualmente presente no âmbito do estado e de setores do ensino que consiste
em reduzir a gestão escolar a soluções estritamente tecnicistas importadas da
administração empresarial capitalista. Segundo
essa concepção,
basta a introdução
de técnicas
sofisticadas de gerência
próprias da empresa comercial, aliada a treinamentos intensivos
dos diretores e demais servidores das escolas para se resolverem todos os
problemas da educação escolar.
Por um lado, é preciso considerar que os problemas que afligem a
educação nacional têm sua
origem, fundamentalmente, não na falta
de esforços ou na incompetência
administrativa de nossos
trabalhadores da educação de todos os níveis, mas no descasa do Estado no provimento de recursos de toda ordem que possam viabilizar
um ensino escolar com um mínimo de qualidade. Não é possível administração competente de recursos se faltam recursos para serem administrados.
Por outro lado, é necessário desmistificar o enorme equívoco que consiste em pretender aplicar, na escola, métodos e técnicas da empresa capitalista como se eles fossem neutros em si.
Se, os fins humanos (sociais) da educação se relacionam com a liberdade, então é necessário que se providenciem as condições para que aqueles cujos interesses a escola deve atender participem democraticamente da tomada
de decisões que dizem respeito aos destinos
da escola e a sua administração.
Entendida a democracia como mediação para a
realização da liberdade em sociedade, a
participação dos usuários na gestão da escola inscreve-se, inicialmente, como um instrumento a que a população deve ter acesso para exercer seu direito de cidadania. Isto porque, à medida que a sociedade se democratiza, e como condição dessa democratização, é preciso
que se democratizem as instituições que compõem a própria sociedade.
A democratização da gestão da escola básica não pode restringir-se ao limites do próprio estado, — promovendo a participação coletiva apenas dos que atuam em seu interior — mas envolver principalmente os usuários e a comunidade em geral, de modo que se possa produzir, por parte da população, uma real possibilidade de controle democrático do Estado no provimento de educação escolar em quantidade e qualidade compatíveis com as obrigações do poder público e de acordo com os interesses da sociedade.
Enquanto relação dialógica, a educação escolar pressupõe a condição de sujeito do educando, o que já envolve sua participação ativa no processo. Enquanto fenômeno social mais abrangente, o processo educativo não pode estar desvinculado de tudo o que ocorre fora
da escola, em especial no ambiente familiar.
A participação da população na escola ganha sentido, assim, na forma de uma
postura positiva da instituição com
relação aos usuários, em especial aos pais e responsáveis pelos estudantes, oferecendo ocasiões de diálogo, de convivência verdadeiramente humana, em suma, de participação na vida da escola. Levar o aluno a querer aprender implica um acordo tanto com
educandos, fazendo-os sujeitos, quando com seus pais, trazendo-os para o convívio da escola, mostrando-lhes quão importante é sua
participação
e fazendo uma escola pública
de acordo com seus interesses de cidadãos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário