Texto 8 – SILVA, Tânia Mara Tavares da Os especialistas na eficácia
parental e os conflitos na relação família e escola (notas sobre contradições
do processo civilizador).
1.A Inspiração em Elias: introdução metodológica e afetiva
As
evidências no processo civilizador, podem ser visualizadas tanto nos textos dos
denominados moralistas, quanto em mudanças de costumes que se refletem no
cotidiano e que irão, aos poucos, dando uma nova forma ao tecido social. No
caso específico do tema deste texto as ações civilizatórias refletiram-se no
âmbito da família através de, por exemplo, a ampliação do direito da
investigação da paternidade no Brasil do início do século passado que
reorganizou as relações entre homens e mulheres de classes sociais diferentes.
Um outro exemplo, é o da inserção de profissionais da área médica, jurídica e
educacional que se ocuparam em ensinar aos pais a forma mais correta de educar
e cuidar de suas crianças. Podemos, pois, afirmar que há um forte vínculo entre
o processo civilizador e a emergência do perito (interventores cientificamente
legitimados) que propaga como devemos atuar em diferentes campos.
Tomo
como idéia central que a intervenção dos especialistas para a melhoria da
eficácia parental deixa “invisível” a figura materna na escola.
Duas
hipóteses que podem ser assim enunciadas. a) a inserção da mulher no mercado de
trabalho e o crescimento da importância dos especialistas tiveram, por
conseqüência, uma invisibilidade da família na escola e, em particular, da
figura materna. No entanto, como o âmbito educacional continua a priorizar o
apoio da família (e particularmente da mãe) para a realização de uma educação
eficaz, a invisibilidade da mulher/mãe faz emergir conflitos muitas vezes
insolúveis entre família e escola. b) que o desaparecimento da autoridade (e do
seu lado complementar que é a responsabilidade) tanto no âmbito da família como
da escola, finda por deixar um espaço vazio nas relações entre pais e filhos e
entre os atores educacionais e educandos.
A
preocupação desta época não se tornou “coisa do passado” e, por isto, não me
surpreendi quando vi em uma revista de circulação nacional um encarte de uma
cartilha que ensinava aos pais como acompanhar os estudos dos filhos. Um outro
exemplo é o último número da revista “Gestão Escolar” (2009) destinada a
professores e gestores que apresenta como tema de capa a relação família e
escola e cujo subtítulo reforça a idéia da parceria necessária entre as
instituições.
A
da cartilha que é evidentemente uma família de camada média estruturada no
modelo nuclear (pai mãe e filhos) ou da família que hoje se estrutura
(independente da camada social) com arranjos muito diferentes.
3.
Para quais caminhos dirigiu-se a aliança família e escola?
O
descaso da família com os seus filhos, principalmente a mãe cujo tempo está
focado cada vez mais no mundo do trabalho. Portanto, fica difícil acertar um só
alvo de forma a que esta “guerra velada” entre família e escola possa ter fim.
Assim, querer tornar a família novamente aliada e cúmplice da educação tem sido
uma das grandes bandeiras da escola que, no entanto, se vê muitas vezes perdida
sem saber como “trazer a família de volta para o âmbito escolar de forma mais
amigável. É preciso pensar, porém, que, se os pais “fogem” da escola, algo
aconteceu e é este o processo que deve ser recuperado.
Quando
se analisa relação família e escola, é quase inexorável voltar-se para o estudo
clássico de Áries (1981) que aponta como já mencionamos o século 19 como o
período em que se consolidou a aliança entre ambas. Preocupar-se com a educação
dos filhos seria tão vital quanto à preocupação com sua higiene e saúde.
No
momento atual, é importante perceber que essa aliança historicamente construída
apresenta sinais de esgarçamento, ou até mesmo de modificações sociais
profundas.
As
mudanças operadas tanto no interior da escola quanto na família alteraram e
contribuíram para o que denomino esgarçamento da aliança. Um dos pontos
centrais é a alteração na forma das crianças estarem na escola, principalmente,
as decorrentes da escola de tempo integral. De acordo com Lovisolo este formato
fez com que a escola se tornasse um lugar onde a “tia” é tia de fato. Ou seja,
intentou cumprir um papel que não era o seu e, paradoxalmente, atuam no sentido
de manter a aliança. Além disto, um outro fenômeno, o do “fim da infância” tem
sido objeto de preocupação dos educadores principalmente no que se refere a sua
relação com o aumento da indisciplina e ausência de limites por parte de
crianças e adolescentes. Para os educadores isto ocorre porque a família tem,
cada vez mais, tem deixado a cargo da escola noções básicas de formação. Como
conseqüência, a sala de aula, corredores e pátios se teria tornado uma praça de
guerra na maioria das escolas gerando, inclusive, um novo fenômeno, o bulyng.
Lasch
(1991) afirma, dentre outras considerações, que o esgarçamento da aliança entre
escola e família tem uma ligação com o surgimento do que ele denomina tutores
sociais, isto é, os que se especializaram tanto no trato com os que estão à
margem (hoje os exemplos mais próximos seriam o Conselho Tutelar; os Conselhos
Municipais da Infância e da Juventude e o aparato jurídico que trata
especificamente de questões que envolvem delitos da infância e juventude)
quanto em ensinar comportamentos adequados em todos os âmbitos da sociedade e
mais particularmente, na saúde e na educação entendida em seu sentido amplo,
isto é, na educação escolar e “não escolar”, esta última exemplificada pelas
muitas Organizações Não Governamentais (ONGs) cujos projetos apresentam como
tendência trabalhar com crianças e adolescentes quase sempre no sentido de
neutralizar a possibilidade de criação de um futuro adulto marginal.
Para
Lasch, podemos situar a “crise da família” ainda nos fins do século 19 e início
do século 20. É neste momento, afirma, que o aumento no número de divórcios, a
queda da natalidade entre pessoas de nível social elevado e as primeiras
manifestações do feminismo desencadearam uma nova mentalidade e, de forma
conjunta, uma reação dos conservadores.
Ainda
de acordo com o autor, as tarefas exercidas pela mãe foram se tornando cada vez
mais dependentes dos especialistas.
No
caso da escola pública o movimento é similar e os professores tendem a fazer
encaminhamentos para especialistas agora também acessíveis as classes
populares. Tudo indica que a instituição escolar não assume o fracasso, ele
está sempre em outras mãos.
A
intervenção dos especialistas que transformou deliberadamente a forma de se
viver o espaço doméstico ao mesmo tempo, e este é um dado fundamental,
consolidou a idéia da incompetência da família de educar para o coletivo e para
a solidificação desta visão, participavam principalmente as profissões
assistenciais.
As
escolas em tempo integral, cumprem cada vez mais o papel da família. Quando os
pais são chamados, na maioria das vezes, é porque a escola quer (e deve) dizer
a eles a maneira como deveriam agir para com seu filho. E o interessante é que
este fato ocorre mesmo quando o convite é coletivo, isto é, nas palestras para
pais, promovidas pela escola.
Quando
algo ruim ocorre (algum ato de indisciplina; notas baixas, por exemplo) e os
pais são chamados eles se valem da idéia de que a escola deve educar ou,
baseados em informações de natureza diversa (mídias faladas e escritas e leis
como o Estatuto da
Criança
e do Adolescente) querem interferir na forma como a escola deve agir em relação
ao filho, particularmente, no que se refere às punições.
O
que os pais fizeram (e fazem) foi seguir os preceitos das ciências que havia
ensinado para eles que esta era a forma correta de se comportar com os filhos.
Eles aprenderam sua lição e, portanto, interpelam a escola quando esta coloca
na berlinda a relação de companheirismo que eles devem exercer continuamente
com seus filhos.
Para
o autor, teremos cada vez mais crianças crescendo não sobre a autoridade da
família e sim educadas pelos princípios de autoridade do Estado que são
diferentes. Resta saber o que fazer com este novo tecido social que emerge como
contradição (ou não) do processo histórico desencadeado por mudanças sociais
profundas que reverberam no âmbito escolar e, ao mesmo tempo, são mudanças
reforçadas por ele.
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