segunda-feira, 7 de novembro de 2011

RESUMO TEXTO 6 - GESTÃO 2

Texto 6 – OLIVEIRA, Dalila Andrade. A gestão democrática da educação no contexto da reforma do estado. IN: FERREIRA, Naura Syria Carapeto (Org.) GESTÃO DA EDUCAÇÃO: IMPASSES, PERSPECTIVAS E COMPROMISSOS. São Paulo: Cortez, 2006. p. 91-112.

RESUMO:

A luta pela universalização da educação básica sempre esteve apartada da defesa da democratização do ensino superior público. O que se observa na história da educação brasileira é o desenvolvimento das duas modalidades de ensino como dois sistemas distintos.

Segundo Savianni (1999) existe muita imprecisão no emprego do termo sistema de ensino. Para o autor, só é possível falar em um único sistema educacional, visto que "o sistema resulta da atividade sistematizada; e a ação sistematizada é aquela que busca intencionalmente realizar determinadas finalidades".

Fica evidente a inadequação do uso dos termos sistema de educação superior e sistema de educação básica para referir-se à organização dos diferentes graus de ensino, Embora largamente utilizada nos meios acadêmicos e políticos, a distinção entre as duas modalidades não contribui na compreensão global da educação pública e corrobora para uma segmentação que só dificulta o debate em torno da democratização do acesso ao ensino.

A educação básica sempre foi tratada como um sistema à parte daquele que controla e organiza as Instituições de Ensino Superior (IES). A maior evidência da referida distinção parece repousar nas duas leis que reformaram, durante o período militar, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) n°4.024 de 1961. Em 1968, através da Lei n °5.540, o regime militar reformou a universidade brasileira e em 1971, com a Lei n°5.692, procedeu as reformas no ensino de 1°e'2°graus. Durante mais de duas décadas a educa cão brasileira conviveu com uma normatização jurídica própria para cada uma de suas modalidades.

O fato de que o atual Conselho Nacional de Educação se organiza em duas câmaras, de educação básica e educação superior, pode ser um elemento a mais a contribuir para uma falsa e indesejável separação entre as duas modalidades de ensino.

A democratização da educação no âmbito da atual reforma do Estado
A luta pela democratização da educação básica sempre mobilizou as camadas mais populares e revestiu-se de um aspecto de indissociabilidade entre educação e trabalho, ou escola e emprego. Tal luta misturou-se muitas vezes com a defesa da sobrevivência e da obtenção de padrões mínimos de satisfação das necessidades vitais. Já a defesa da democratização da educação superior sempre arrebanhou seus guardiões nas fileiras das camadas médias e intelectuais. A luta pela educação básica trouxe desde sua origem a concepção de democratização como acesso universal, como um imperativo, o que resultou na priorização no âmbito das políticas públicas, pelo menos por determinado tempo, dos aspectos quantitativos em detrimento dos qualitativos.

Na concepção liberal clássica a educação, a saúde, a previdência entre outros, são considerados serviços essenciais que cabe ao Estado garantir a todos os seus cidadãos. Por essa razão a educação figura como política pública.

Ocorre que a eficiência de um Estado pode ser medida e questionada a partir da sua performance em relação às políticas públicas.

Diniz (1997) define a crise de governabilidade, assiste-se ao recurso à burocracia, à eficácia técnica na condução das políticas públicas, como tentativa por parte dos estados de tentarem resgatar sua legitimidade.

Diante de grandes pressões populares pela democratização, sobretudo da educação básica, implicando a exigência de seu acesso, mas também na qualidade de seus serviços -- fator indispensável à perma­nência dos alunos na escola e à conclusão de sua escolaridade —, o Estado procura atender de forma ambivalente a essa demanda. Por um lado; dispõe de medidas que procuram dar respostas imediatas às manifestações sociais mais patentes e, por outro, tenta compatibilizar o atendimento das demandas com urna política de contenção dos gastos públicos sem, contudo, abrir mão da direção do processo de mudanças.

A tentativa por parte do Estado de capitanear o processo de mudanças na educação, que ocorre na década de 90, será fundada no discurso da técnica e na agilidade administrativa. Para tanto, as reformas implementadas na educação no período mencionado serão implantadas de forma gradativa, difusa e segmentada, porém com rapidez surpreen­dente e com mesma orientação. A lógica assumida pelas reformas estruturais que a educação pública vai viver no Brasil em todos os âmbitos (administrativo, financeiro, pedagógico) e níveis (básica e superior) tem um mesmo vetor. Os conceitos de produ­tividade, eficácia, excelência e eficiência serão importados das teorias administrativas para as teorias pedagógicas.

Na educação, especialmente na Administração Escolar, verifica-se a transposição de teorias e modelos de organização e administração empresariais e burocráticos para a escola como uma atitude freqüente. Em alguns momentos tais transferências tiveram por objetivo eliminar a luta política no interior das escolas, insistindo no caráter neutro da técnica e na necessária assepsia política da educação.

O raciocínio eficientista incorporado às reformas educacionais dos anos 90, no que se refere à educação básica, tem suas origens na crise de legitimidade que o Estado e, conseqüentemente, o setor educacional enfrentam, a partir de meados da década de 80, quando não conseguem responder nem quantitativa nem qualitativamente às pressões sociais em torno da educação pública.

O problema localizava-se na alocação das vagas, ou seja, na distribuição espacial e temporal das mesmas. A distribuição espacial refere-se à má alocação geográfica das vagas. A construção concentrada de escolas em certas regiões onde o clientelismo político favoreceu tal iniciativa, ou mesmo nos grandes centros urbanos, fez com que 75% da ausência de vagas se concentrasse numa mesma região, no caso o Nordeste rural8.

O que pode ser caracterizado como distribuição temporal refere-se ao fenômeno que ficou conhecido corno "fracasso escolar": a persistência de altas taxas de evasão _e repetência. As vagas praticamente correspondiam à demanda da população em idade regu­lar, porém as altas taxas de repetência e evasão nas séries iniciais não permitiam o ingresso de novos alunos.

A partir de estudos como o de Ribeiro (1991), que demonstravam ser o problema do fracasso escolar muito mais de repetência que evasão, as tradicionais formas de ava­liação começam a ser apontadas como responsáveis pela crise educacional.

A defasagem idade/ série passou a ser estabelecida como importante critério de mensuração de desempenho escolar, constituindo-se em medida estatística largamente utilizada pelo Estado como indicador na avaliação das políticas públicas para a educação básica.

A possibilidade de controle do rendimento dos alunos peia sua progressão nas séries, obedecendo a urna idade-padrão, é medida que só é passível de significado a partir da lógica temporal, imprimida pelo modelo seriado na organização escolar e na delimitação do direito à educação, dentro de faixas etárias determinadas. Até final da década de 80, onde o direito à educação pública e gratuita estava condicionado à idade.

É a partir da década de 70 a obrigação do Estado era com os indivíduos entre 7 e 14 anos. O que passou a ocorrer com a educação pública no Brasil foi que os indivíduos que conseguiam ter acesso a ela, na sua grande maioria, não obtinham o certificado de conclusão do ensino primário na idade prevista.

Para os gestores da educação pública, contudo, a questão se apresentará como um problema econômico, de ordem administrativa. Em um contexto favorável à reforma dos serviços públicos e ao enxugamento da máquina burocrática, os argumentos em favor da racionalização administrativa levarão ao estudo de soluções para o problema, em que a contenção de gastos e a otimização dos recursos passam a ser o principal alvo.

Devendo o Estado, investir na racionalização administrativa do setor educacional para solucioná-lo.

O texto da Emenda Constitucional n°19 de junho de 1998 reflete com muita clareza a lógica racional impressa na reforma do Estado em curso. A possibilidade de criação das Organizações Sociais e dos Contratos de Gestão vai interferir nos rumos que tomará o debate em torno da Autonomia Universitária, o que converge com as orientações mais recentes para a gestão da educação básica. Sendo que, na gestão da educação básica, as reformas realizadas em âmbito estadual e até municipal, em alguns casos, anteciparam as diretrizes assumidas posteriormente pelo MEC.

A proposta de lei sobre autonomia universitária, apresentada pelo MEC, no primeiro semestre de 1999, explicitou as intenções do governo de modificar o papel das universidades federais, estimulando a maior abertura e adequação das mesmas às demandas do mercado. Tal proposta limitou-se a definições de cunho administrativo e finan­ceiro, apresentando, assim, urna leitura ambígua do mencionado artigo 207 da Constituição Federal, ao reconhecer que em relação à autonomia didático-científica o mesmo auto-aplicável, o que não ocorria para suas outras dimensões.


De acordo com Abrucío (1999), o estabelecimento de relações contratuais por parte do Estado baseia-se em três pressupostos. O primeiro é de que, numa situação de falta de recursos, a melhor forma de aumentar a qualidade é introduzir relações contratuais de competição e de controle. O segundo, quase como conseqüência do primeiro, é de que a forma contratual evita a situação de monopólio. E, finalmente, o terceiro refere-se à maior possibilidade que os consumidores (supostamente) têm de controlar e avaliar o andamento dos serviços públicos a partir de um marco contratual.

A democratização do ensino público: da educação básica à superior

Os anos 90 irão refletir um contexto em que a luta pela democratização do ensino assume, no âmbito da educação básica, o caráter da qualidade, da busca de. permanência e da conclusão da escolaridade corno um direito social. Ao mesmo tempo o Estado procurará imprimir maior racionalidade à gestão da educação pública, buscando cumprir seus objetivos, equacionar seus problemas e otimizar seus recursos, adotando em muitos casos o planejamento por objetivos e metas.

São por tais razões que a luta pela universalização do ensino levou à defesa da gestão democrática da educação pública.

A luta pela democratização da educação básica, então, assume o aspecto de ampla defesa do direito à escolarização para todos, à universalização do ensino e à defesa der maior participação da comunidade na gestão da escola. Já a defesa da autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial dominou o terreno da educação superior. As duas reivindicações acabaram sendo, de alguma maneira, contempladas na Constituição Federai de 1988.

Se a educação básica é assumida como o mínimo e que todos têm direito, a educação superior é concebida como privilégio, uma distinção. O próprio discurso em defesa da escola pública, muitas vezes, assume a argumentação de que os recursos inves­tidos na educação superior deveriam ser revertidos para a base do sistema educacional.

Durante muitos anos acreditou-se que, para se cursar uma universidade de qualidade, era preciso ingressar em uma instituição pública e, para tanto, seria necessário se preparar em escolas privadas, únicas capazes de oferecer uma educação básica com qualidade compatível. O que seria explicado pelo fato de que quem cursava escola básica particular tinha seu acesso garantido na universidade pública, já aqueles que só tinham condições de realizar seus estudos na rede pública estavam condenados ao ensino superior privado, com sua extensa estratificação.

Tal crença começou a ser abalada a partir de estudos e pesquisas, muitos realizados no âmbito das próprias universidades, que vieram demonstrar que os alunos de escola básica publica também têm acesso às universidades públicas, podendo existir uma estratificação por cursos.

Na educação básica, a luta sempre foi pela incorporação de todos, o que provavelmente ajudou a constituir a enorme malha pública de educação que temos no Brasil. Apesar da grande concentração da matricula na educação básica situar-se no setor público, a realidade do ensino superior esta longe de ser esta.

A democratização de educação: gestão e avaliação

Durham (1998) constata que no debate atuai sobre ensino superior os temas mais amplos são: autonomia, democratização e avaliação.

A crise de financiamento sempre foi utilizada como o principal argumento inibidor da universalização do acesso à educação pública básica e superior. Na atualidade, tal argu­mento vem acompanhado da necessidade de instituir formas mais flexíveis de gestão, que contemplem a possibilidade de captação de recursos e o maior envolvimento da sociedade nos mecanismos decisórios. Por isso, as políticas mais recentes têm atribuído maior ênfase ao planejamento descentralizado e aos processos de avaliação, como critérios de financiamento e custeio.

Na educação básica tal tendência apresenta-se predominante a partir das reformas educacionais dos anos 90, que elegem a escola como núcleo da gestão17. Também nesse caso, as reivindicações por maior autonomia para as escolas têm sido respondidas pelo Estado com a. possibilidade da descentralização administrativa e financeira. A autonomia pedagógica, compreendida como a liberdade de cada escola construir o seu projeto pedagó­gico, tem caráter limitado já que, em muitos casos, tais projetos são elaborados de acordo com critérios de produtividade definidos previamente pelos órgãos centrais e garantidos pelos processos de avaliação.

Termos como qualidade, eqüidade, eficiência, produtividade, efetividade e descentralização, entre outros, são empregados de forma indiscriminada nas atuais políticas públicas para a educação, chegando muitos deles a perder o seu real significado. Além disso, o uso desses conceitos revela contradições impressas nas orientações gerais das reformas em curso.

A evidência da forte influência que a reforma do Estado, sobretudo a reforma administrativa, vem exercendo sobre o setor educacional começa a ser demonstrada na literatura recente sobre o tema19. Trindade (1999), citando Durham, vai enfatizar a tendência apontada pela autora nas políticas educacionais do momento, que têm como cerne de suas propostas para o setor público a alteração da relação entre as instituições de ensino superior e o Estado. Tal tendência se evidenciaria na substituição do sistema altamente burocrático e centralizado, baseado no financiamento incrementai para um outro calcado na contenção de gastos públicos, na descentralização administrativa e na introdução de processos de avaliação,

A política de Gratificação por Estímulo à Docência (GED), implementada pelo MEC em 1998, apôs movimento grevista dos professores universitários, reforça exatamente a tendência, cada vez mais assumida pelo Estado, de vincular financiamento e avaliação.

Ao mesmo tempo que é exigido dos professores mais presença em sala de aula e produção acadêmica, de caráter científico, reforçam-se as incumbências administrativas, em face da redução de pessoal. Percebe-se a tentativa de abordagem do trabalho acadêmico como composto por atividades mensuráveis em termos quantitativos, com pouco tempo destinado à reflexão e ao estudo e constantemente posto à prova acerca de sua operacionalidade. Expõem-se assim, os professores, a uma realidade em que todos devem competir com seus pares, dificultando a integração coletiva e escasseando a possibilidade cie práticas mais solidárias nas suas atividades de trabalho.

Para Florestan Fernandes, entre as razões que levaram a universidade a assumir novos papéis estava a condição desprovida de recursos materiais a que foi obrigada, o que submeteu seus profissionais a baixos salários e ao aviltamento dos padrões de trabalho intelectual, por carência de meios. Tudo isso levou a que os profissionais universitários aderissem ao que o autor denominou "a simulação de uma avançada política de modernização cultural e autônoma".

Na educação a avaliação assume ainda outros aspectos, pois sempre esteve presente como um importante instrumento, quer de controle das políticas educacionais quer dos processos de aprendizagem. Por tais razoes, no setor educacional, é sabido que os processos de avaliação são desejáveis e indispensáveis ao desenvolvimento da educação. Porém, a literatura recente vem indicando a necessidade de rever os princípios e objetivos e" ainda os usos que se tem feito dos últimos programas de avaliação adotados pelos governos.

O Exame Nacional de Cursos, vulgarmente conhecido por Provão, o Exame Nacio­nal do Ensino Médio (ENEM) e as avaliações realizadas pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica ÍSAE8) têm adotado como indicadores de qualidade e eficiência critérios orientados pela lógica da reforma do Estado. A legitimidade dos sistemas de avaliação é buscada junto à opinião publica através de ampla divulgação pelo MEC nos meios de comunicação

As razões para a aparente aceitação, apresentada pelo senso comum, a esses processos, às vezes tão distantes de sua realidade imediata, precisam ser melhor observa­das.

Os processos de avaliação, adotados pelo atual governo, nutrem-se da confiança identificada por Gíddens (1991) nos sistemas abstratos, para a legitimação de resultados que reduzem e minimalizam o papel e função da universidade como na ótica de Fernandes (1989), bem como de Chauí (1999). A autora denuncia a tentativa das políticas governa­mentais de reduzir as universidades produtoras de conhecimento a Organizações Sociais, orientadas para uma lógica produtivista, que tem corno alvo o mercado consumidor.

Talvez possamos atribuir a busca de exploração da confiança nos sistemas peritos de Giddens â força com que o governo e a imprensa divulgam junto à opinião pública os resultados obtidos nos testes de avaliação, realizados com alunos recém-saídos do ensino médio e dos cursos de graduação. Tais resultados têm a pretensão de se consolidar como os principais balizadores da política de financiamento e autorização de cursos e instituições de educação superior, ao mesmo tempo que almejam a certificação de competências para o mercado de trabalho.

Segundo Durham, as universidades brasileiras organizaram-se, no período mais recente, sob uma orientação mais profissionalizante.

Eleger o mérito acadêmico como principal elemento de seleção e a competência técnica corno o melhor requisito parada gestão da coisa pública implica necessariamente em negar a existência de direitos sociais, ou reconhecer que a igualdade só é possível na forma da lei, visto que não o é no aspecto econômico.

Aceitar que a atuai situação da educação brasileira, que levou a um certo "consenso" da necessidade de reformas, poderá ser equacionada nos marcos do capitalis­mo é reduzi-la a urna mera questão de escolhas administrativas. Mas, ainda assim, tal abordagem encontraria dificuldades, pois "em mesmo os proponentes dessas mudanças as têm avalizado, na sua integralidade, corro capazes de solucionar os problemas detectados. Diante de tá! situação, só resta, inferir que ou os problemas encontrados não são os mesmos e, portanto, não existe consenso, ou, sem dúvida, as soluções buscadas deveriam ser outras.

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