MÓDULO 4: MODOS DE FICÇÃO NA
LITERATURA INFANTOJUVENIL
AULAS: 12, 21, 11, 22, 23
AULA 11: TEXTO LITERÁRIO
3 – A EXEMPLARIDADE
EXEMPLARIDADE:
O QUE É? DE ONDE VEM?
Exemplum é um texto curto, que narra uma
situação exemplar – como o nome já sinaliza – com o objetivo de imprimir à
história uma lição de moral.
A utilização a que se destinaram os exempla
explica porque a exemplaridade é sempre associada ao caráter didático e
moralizante dos textos em que se faz presente. É o caso das fábulas.
Em virtude da necessidade de atingir
um público em iminente situação de ceticismo, os PREGADORES passaram a
utilizar narrativas exemplares que eram, a um só tempo, doutrina e
entretenimento. As fábulas tiveram papel importante nesse processo.
Pode-se mesmo afirmar que essa
dimensão ficcional do exemplo é um elemento facilitador da aceitação das regras
de moral e comportamento que o pregador teve a missão de incutir em seu
público.
O prazer de ouvir boas histórias
torna-se, nesse momento, a chave para obter a então quase perdida atenção do
público ouvinte. É a descoberta dessa estratégia que leva à incorporação das
fábulas nos sermões dos pregadores.
O exemplum configura-se numa
estratégia retórica que, por isso mesmo, o aproxima mais ainda do literário.
COMO O TEXTO EXEMPLAR CHEGOU ATÉ NÓS?
A Idade Média foi o momento em que o
texto exemplar ganhou um status que até então não possuía. Este passou a
ser utilizado com o objetivo de manter uma estrutura social submetida a uma
série de regras de moral e comportamento necessárias à sustentação do poder,
sobretudo o religioso. A importância desses textos está, nesse momento
histórico, intimamente ligada a objetivos políticos e religiosos.
A exemplaridade não desaparece da
estrutura dos textos. Em outras palavras, aquela lição de moral que ficava tão
clara na leitura de textos como as fábulas, por exemplo, não era mais evidente,
o que não significa que tenha deixado de existir.
O texto literário se diferencia dos
demais tipos de textos, entre outros elementos, pela presença de uma estrutura
latente, aquilo que chamamos de “entrelinhas”. Pois é justamente nas
entrelinhas que podemos encontrar a exemplaridade a partir de determinado
momento da história da leitura.
A fábula é um texto sempre muito
curtinho, que traz uma história simples, mas emblemática. Contudo, mais
importante que essa história, é a chamada “moral da história”, pois é nesse
momento que a lição de moral é trazida à cena. Atente para esse detalhe: ela é
explícita, ou seja, o exemplo faz parte da estrutura manifesta do texto, está
ali para quem quiser ver, sem disfarce.
Agora, vamos à Bela e a Fera.
Podemos ver que a história, já não tão simples quanto a fábula, continua sendo
emblemática, isto é, trabalha com ARQUÉTIPOS fortes – a moça delicada em
contraposição a uma “fera”. Ao longo da leitura, não há a explicitação da lição
a ser aprendida por meio de uma moral da história, mas o percurso dos amados e
o desfecho apontam para a presença dessa lição ainda na estrutura manifesta do
texto, mesmo que não seja de forma privilegiada, como ocorre na fábula.
AULA 12: LITERATURA
FANTÁSTICA: O ESTRANHO E O MARAVILHOSO
O
QUE É VEROSSIMILHANÇA?
VEROSSIMILHANÇA é a capacidade que um
texto tem de ser fiel à sua própria lógica.
Em outras palavras, nossa primeira
reação diante de um fato estranho é tentar uma explicação natural para
justificá-lo. Sempre apelamos para a lógica, para aquilo que está nos limites
do nosso alcance.
Com a literatura, entretanto, é
diferente. Ela não tem esse compromisso de refletir logicamente a vida. Na
literatura, “a face cruel da verdade” é coberta pelo “manto diáfano da fantasia”.
Assim, no âmbito da ficção literária, o parâmetro não é a lógica do mundo real.
É por isso
que, ao ler a história de Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, acatamos sem
problema o fato de o lobo falar com a menina. Isso se dá porque, dentro do
universo do texto, esse é um fato verossímil, ou seja, não nos causa
estranheza, pois sabemos, ainda que intuitivamente, que aquele universo é
regido por leis diferentes das que regem o mundo real. Desde que o texto seja
fiel à lógica por ele instaurada,
nós o aceitamos sem problemas.
FANTÁSTICO, ESTRANHO E MARAVILHOSO:
ONDE ELES ENTRAM?
Costuma-se definir literatura
fantástica como aquela em que o texto não se submete por inteiro às leis do
senso comum, à lógica da Natureza, tal como a concebemos.
No texto fantástico, aquilo que, no
mundo real, e, portanto, de acordo com o senso comum, seria considerado
sobrenatural, é tratado como natural. Nesses textos, encontramos os animais que
falam, seres de outros mundos, bruxas, fadas, e toda uma gama de personagens e acontecimentos
incompatíveis com a realidade que nos cerca, mas absolutamente coerentes com o
mundo ficcional do texto que habitam.
Ocorre que, mesmo na ficção, os fatos
extraordinários podem assumir um caráter especial, ou simplesmente não causarem
nenhuma estranheza. Por essa razão, costuma-se dividir a literatura fantástica
em níveis, de acordo com sua proximidade ou com seu afastamento da lógica do
mundo real. Nessa divisão, trabalhamos com duas possibilidades de ocorrência do
fantástico: o estranho e o maravilhoso.
ESTRANHO E MARAVILHOSO – QUAL A
DIFERENÇA?
Quando, ao longo ou ao final da
narrativa, acontecimentos aparentemente inexplicáveis, sobrenaturais até,
recebem uma explicação racional, estamos diante do estranho.
O fantástico é reduzido a estranho por
meio de alguns procedimentos narrativos, tais como: o sonho, a alucinação, a
ilusão, a loucura.
No maravilhoso, os fatos não
apenas parecem, mas são, realmente, extraordinários. Isso quer dizer que, no
maravilhoso, os fatos não estão subordinados à lógica do mundo que nos cerca. A
única forma de compreender e aceitar o que se passa é admitir a intervenção de
mundos até então inadmissíveis, regidos por leis próprias. Essas leis levam-nos
a aceitar, inclusive, a convivência de seres do mundo real com seres do mundo
sobrenatural. Dessa forma, no maravilhoso, os seres humanos dividem
naturalmente espaço com bruxas, duendes, gigantes, alienígenas e todo tipo de
personagem que a ficção seja capaz de engendrar.
O TEXTO E O LEITOR
Mesmo porque, a afetividade é um dos
elementos que conformam a literariedade de um texto. Quando falamos em
afetividade não estamos nos referindo, especificamente, a uma relação de
carinho. Trata-se de um termo da Teoria da Literatura, segundo a qual o texto
literário afeta, inevitavelmente o leitor, ao mesmo tempo que é afetado por
ele, já que o leitor gera sentidos para o texto.
Quando nos deparamos com um texto em
que o elemento maravilhoso se destaca, essa afetação se reveste de um caráter
sensorial bastante intenso, pois somos tomados por sensações ligadas, ao mesmo
tempo, ao medo e à curiosidade, à raiva e à pena, ao terror e à coragem. Em
nenhum momento, porém, questionamos a pertinência nem dos acontecimentos do
texto, nem das sensações que eles nos despertam. Acatamos a lógica interna do
texto, deixamo-nos levar por suas ocorrências insólitas e ainda nos afligimos
com o destino das personagens.
AULA 21: AS FÁBULAS
A
fábula seria uma variante do conto, veiculando uma realidade ideal capaz
de preencher as expectativas dos leitores, que vêem ali um mundo de
possibilidades, muitas vezes.
Estrutura:
-
caráter narrativo
-
enredo como exemplo
-
aforisma ou provérbio
-
ensinamento contido na 1ª parte
-
converte-se na moral da história
Fábula:
discurso do qual se retira uma lição, o que explica o termo “literatura
exemplar”.
Objetivos:
ensinar, incutir soluções e padrões de comportamento que já vem pronto em sua
narrativa.
A
“moral da história” é a síntese do objetivo maior da fábula: ensinar e
por isso é sempre entendida como um texto de caráter didático.
Assume
um caráter exemplar de objetivo moralizante.
Ela
constrói-se basicamente sobre a alegoria que garante ao texto um caráter
fantástico que possibilita um aparente e estratégico afastamento do campo de
referencia externo, o que se torna fundamental para o seu acatamento.
Indeterminação
geográfica e temporal da ação e da interferência do narrador que serve de
mediador entre o texto e o leitor.
AULA
22 – OS CONTOS DE FADAS E OS CONTOS MARAVILHOSOS
CONTOS MARAVILHOSOS
Os contos maravilhosos e os contos de
fadas são, hoje, tratados como um único tipo de narrativa. Na verdade, eles
diferem na origem e nos elementos que os compõem.
A origem dos contos maravilhosos,
diferentemente da origem dos contos de fadas, é oriental. Sua ênfase é na
necessidade básica do herói, que, em sua busca, prioriza a questão material e a
sensorial em detrimento da espiritual, como ocorre nos contos de fadas.
Nos contos maravilhosos, o desejo de
auto-realização do herói é o eixo central da narrativa, que transcorre sempre
em ambientes mágicos, contudo, sem a presença de fadas.
CONTOS DE FADAS
Os contos de fadas têm origem celta, a
mesma tradição que nos brindou com os romances de cavalaria. A cultura celta é
caracterizada pela presença de forte religiosidade, o que influenciou
grandemente a cultura ocidental.
Os contos de fadas, então,
caracterizam-se por uma magia, em que convivem reis, rainhas, gênios, bruxas,
fadas. É interessante saber que, apesar do nome, os contos de fadas nem sempre
têm fadas em seu enredo.
Há procedimentos que especificam o
conto de fadas:
A atemporalidade está expressa no
famoso tópico frasal “Era uma vez”. O tempo em que se passa a história não é
jamais definido. É um tempo qualquer, que nunca envelhece, é sempre o tempo do
leitor.
O mesmo ocorre com a indeterminação
espacial. É um reino distante, ou um reino cujo nome jamais encontraremos no
mapa. É, na verdade, o lugar da ficção, ou seja, um espaço possível só no
âmbito ficcional.
Em outras palavras, os príncipes e as
princesas do conto de fadas são belos e bondosos. Enfrentam uma série de
obstáculos para alcançar seus objetivos. Esse confronto reforça o caráter
maniqueísta desses textos: o bem, representado pelo herói, combate o mal,
representado pelos obstáculos. Estes, por sua vez, não são apenas torres
altíssimas e dragões venenosos, mas também as personagens que se opõem
flagrantemente aos heróis, como as bruxas.
Além disso, esses heróis e heroínas
são movidos pelas virtudes valorosas do espírito humano. É isso que os move e
os faz enfrentar todo o mal. Afinal, eles são a personificação da perfeição
ética.
AULA
23 – O CONTO DE FADAS MODERNO
O QUE MUDOU, O QUE FICOU...
A estrutura dos textos fundadores da
tradição literária ocidental é a base para o entendimento desse enorme
interesse do ser humano por narrativas de cunho maravilhoso. Os textos modernos
mantêm essa estrutura.
A fábula moderna mantém a estrutura da
fábula clássica, com o cuidado de adaptar-se ao interesse infantil. O mesmo se
pode observar em relação ao conto infantil, que se convencionou chamar de conto
de fadas. Essas narrativas – os contos de fadas – trazem a marca das forças
antagônicas, já que o bem e o mal se enfrentam e se presentificam como valores
de formação da mentalidade infantil.
O ANTIGO E O NOVO NA ESTRUTURA DOS
CONTOS DE FADAS
Nelly Novaes Coelho entende a
perpetuação dos contos populares e das fábulas nas culturas contemporâneas a
partir da utilização de uma linguagem simbólica ali presente.
Os vícios e as virtudes, presentes no
inevitável embate entre o bem o mal, aparecem nesses textos antigos e continuam
presentes nos textos que hoje são lidos pelas crianças.
Além disso, existem aspectos formais que tornam esses
textos peculiares e que explicam a ampla aceitação que receberam por parte das
crianças.
A indeterminação temporal do
texto é um desses aspectos, e cristalizou-se na literatura infanto-juvenil a
partir, principalmente, da expressão “Era
uma vez”.
Outro elemento particular dos textos
analisados pela autora é a referência explícita ao “ato de contar” a
história, cuja função estará ligada à origem dessas narrativas, que eram
contadas oralmente.
Um terceiro elemento que denuncia a
particularidade das narrativas infantis é a forma do conto, que se traduz,
para Nelly, na intenção dos narradores de transmitir mensagens exemplares por meio de situações cotidianas, o que
reforça a identificação que a autora defende entre literatura popular exemplar
e literatura infanto-juvenil.
A repetição também é definida
como um dos aspectos dessas narrativas, e ela se dá tanto no nível discursivo
como no estrutural da narrativa, compatibilizando-se, nesse ponto, com uma
exigência inerente ao leitor infantil, que é a de ouvir ou ler repetidamente
uma mesma história, rejeitando qualquer alteração que se pretenda nela
introduzir.
A representação simbólica, que
na visão da autora engloba a utilização de metáforas, símbolos, alegorias, é
também a tônica das narrativas infantis, que, dependendo da época de sua
produção, têm um elemento predominantemente específico.
Isso leva à criação de personagens
tipos, que são, muitas vezes, puras alegorias, como, por exemplo, os
animais nas fábulas. A tipificação das personagens é, para Nelly, outro
elemento singularizante das narrativas infantis.
A presença do maravilhoso
também se configura como um aspecto especial desses textos, fato que decorre do
que Nelly denomina de “pensamento mágico”, característico do mundo arcaico.
Por fim, a autora considera a
exemplaridade como “um dos objetivos mais evidentes da narrativa primordial
novelesca” (p. 76), e inclui esse elemento como outro aspecto responsável pela
peculiaridade do texto infantil.
A PERMANÊNCIA DO CONTO DE FADAS NO
IMAGINÁRIOINFANTIL – E ADULTO...
Os contos de fadas rompem com essa
estrutura ao serem considerados antipedagógicos. Tal consideração levava em
conta, sobretudo, a veemência dos acontecimentos diante das falhas de conduta,
mas é a presença dos elementos fantásticos que desde logo incomoda o intuito pedagógico.
O mesmo não ocorre com as fábulas, pois estas, segundo a visão da pedagogia,
carregam consigo um realismo utilitário, caríssimo aos princípios do
ensinamento.
A fantasia – entendendo-se, por esse
termo, o maravilhoso – não é privilégio do texto infantil. A proporção que
ganha no texto infantil é, sem dúvida, maior que a da literatura em geral, e
sua identificação com o pensamento mágico do mundo antigo é mais um ponto de
contato entre as narrativas dessa época e as histórias para crianças.
Pode-se mesmo dizer, grosso modo, que
a criança é capaz de “aproveitar” muito melhor a fantasia que o texto lhe
proporciona do que o adulto. Contudo, o conto de fadas moderno tem sido
literatura para leitores de 8 a 80 anos.
E HARRY POTTER?
Afora qualquer juízo de valor, já que
a literatura não se caracteriza por esse critério, não podemos deixar de
reconhecer que Harry Potter é, sim, um conto de fadas moderno.
O primeiro importante aspecto que o
caracteriza é a eleição de uma personagem criança, facilitando, dessa forma, a
identificação do leitor. O leitor implícito coloca-se com facilidade no lugar
da personagem que, como ele, é também uma criança.
No universo ficcional de Harry Potter,
dois mundos convivem paralelamente: o dos “trouxas” e o dos bruxos. Neste
último, há uma hierarquia que reduplica o mundo real – há bruxos que lideram
grupos, por exemplo, e os mais velhos são respeitados por sua vivência e
sabedoria –, e os bruxos não contam apenas com seu dom para exercer a bruxaria.
Eles precisam aprender, e para isso frequentam uma escola especial para eles, Hogwarts,
onde, como em qualquer escola, há grupos rivais, amigos, invejosos, medrosos, e
toda sorte de personalidades com as quais convivemos em nossa vida.
Harry lança mão de valores humanos
para vencer o mal. Com isso, a narrativa reforça a importância dos valores
humanos e mostra que o herói é movido por objetivos nobres.
Os arquétipos típicos do conto de
fadas são mantidos, e a luta do bem contra o mal continua a ser o tema central
da narrativa. Apesar dessa identificação inegável com o conto de fadas
tradicional, opera-se, aqui, a ruptura com o modelo de perfeição absoluta que
caracteriza o herói daqueles textos. Se os príncipes e princesas que aprendemos
a admirar nos contos de fadas tradicionais são exemplos da perfeição ética e
estética, este não é, absolutamente, o caso de Harry. Ele tem suas fraquezas, é
fisicamente o oposto do que se espera de um herói, mas preserva os valores
morais e luta por eles.
Por Cris Canedo
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